Reuniões: Segundas-feiras as 20h

Nossa História

Imaginemos que estamos no início da segunda metade do século XIX e deixemos que a nossa mente perambule pelas vielas da Santos antiga. Nessa época, nossa cidade tinha uma população de mais ou menos 7.500 habitantes e era praticamente um grande charco, excetuando-se um quadrilátero de aproximadamente 750 mil metros quadrados, incluindo-se os arrabaldes, que se localizava onde é hoje o Centro da Cidade e o Valongo. Esse quadrilátero era delimitado a leste pela Rua da Palha ou Josefina, atual Constituição, e a oeste pela Rua do Valongo, incorporada depois pela Estação de Trens do Valongo. Ao norte ficava o mar e ao sul a Rua do Rosário, atual João Pessoa.

O povo santista vivia com simplicidade; o homem era responsável pelo sustento da casa e a mulher cuidava da educação dos filhos e do lar.

Em seu livro ‘A Carne’, escrito em 1887, Júlio Ribeiro refere-se a essa gente da seguinte maneira: ‘O povo santista é polido, afável, obsequioso, franco; a riqueza que lhe proporciona o comércio de sua cidade, fá-lo generoso, até pródigo. E tem nervo, tem brio: é o único povo que eu julgo capaz de uma revolução nesta pacata província’.

Como não havia água encanada, as mulheres tinham que procurar um local para a lavagem das roupas, e o mais conhecido pelas lavadeiras era a Pedra da Feiticeira, uma nascente de águas límpidas, que ficava numa trilha que partia da Rua da Palha.

As compras eram feitas nas “Casinhas”, primeiro mercado de Santos destinado à venda de alimentos. Eram pequenos compartimentos que ocupavam, desde 1800, todo um lado de um terreno comprido, localizado entre as vias Setentrional e Meridional, que foram absorvidas pela atual Praça da República.

Aos domingos as famílias iam à missa, geralmente na Capela de Jesus, Maria e José, que ficava na Rua da Praia, atual Tuiutí. Ela serviu como templo de devoção das famílias santistas durante 111 anos, até ser demolida em 1902.

Quanto ao clima, Júlio Ribeiro diz: “Santos é uma miniatura do inferno. Os dias são horríveis; se não há chuva, o que é raro, o sol queima, esbraseia a terra, a ponto de se poderem fritar ovos sobre as pedras das calçadas. Tão detestável é a terra, o clima em Santos, quanto apreciável é o peixe, quão superior é o homem: maus fatores a darem produtos excelentes, verdade paradoxal, mas verdade irrecusável, absoluta”.

Pouco antes da Rua do Valongo, ou seja, quase no extremo oeste do nosso quadrilátero, ficava a Rua do Sal, atual José Ricardo, que naquele tempo não passava de uma viela com calçamento feito de pedras irregulares. Durante o dia seu movimento era intenso; o vai-vem dos animais puxando as caçambas repletas de sal, dos barcos para os armazéns localizados apenas nessa rua e num de seus lados, era incessante. Do outro lado ficavam os sobrados que serviam, ao mesmo tempo, de residência, escritório e armazém para os comerciantes.

Com a chegada da noite, o lugar tornava-se lúgubre, uma vez que as ruas ainda não eram iluminadas. O burburinho causado pelos animais extenuados e pelos estivadores, escravos em sua grande maioria, corpos de pele negra e suarenta, arquejados pelo peso da carga, era interrompido. Era o momento do justo descanso para esses seres vivos.

Mas na noite de 5 de janeiro de 1853, uma movimentação diferente acontecia num dos sobrados da Rua do Sal, quem sabe com a fachada de ladrilhos portugueses, próximo ao cais do porto. No ar, aquele cheiro de maresia tão característico da zona portuária. Uma sala nos altos do sobrado, portas e janelas fechadas, apesar do calor da época, iluminada por velas e lamparinas a óleo de peixe. Lá, uma reunião secreta de homens que ali chegaram na mais absoluta discrição, alguns vindos no lombo de burros desde o Planalto Paulista, e que nesse momento, após a abertura da sessão, ouviam as palavras do Dr. Bernardo Avelino Gavião Peixoto.

“Meus senhores, o objeto que se deve ocupar esta reunião para a qual vós fostes convidados, é discutir o pedido que a Loja Piratininga me fez; nele, essa Augusta Loja solicita-me esforços em criar uma Loja Maçônica no Vale de Santos. Essa Loja deverá tomar aos ombros, a grande como difícil empresa de esmolar ao pobre. Como não posso por mim só decidir uma questão de muita gravidade e nem tão pouco, responder de improviso a semelhante convite, eu os convidei para que, comparecendo à esta reunião, decidam da conveniência ou não conveniência de semelhante objeto e me ajudassem a dar uma definitiva solução a uma questão de tão alta importância.”

Lá fora reinava o mais absoluto silêncio. Nessa época poucos se aventuravam a sair à noite e se o fizessem deviam portar lamparinas ou archotes a óleo de peixe, para que pudessem ter o seu caminho iluminado. Apenas de quando em vez, o silêncio era interrompido pela passagem de uma carroça repleta de mercadorias, provavelmente sem os tributos alfandegários pagos, pelo vozerio de marujos voltando aos barcos guiados pelo instinto, pelo luar (quando havia) e pela tênue luz emanada dos barcos ancorados nas tortuosas e alquebradas pontes que os ligavam aos trapiches alfandegados ou por um cavalo a trote montado, quem sabe, por um senhor de escravos.

Dentro do sobrado, os Maçons José Maria de Andrade, Martim Francisco Ribeiro de Andrada, Bernardo Augusto Rodrigues da Silva, Frei Luis de Santo Ambrózio, Francisco Martins dos Santos, Joaquim de Jesus Pereira, Thomaz Rufino de Jesus, Manoel José Carneiro Bastos, Ângelo Garcia de Souza Ramos, Joaquim José Gomes, João Batista da Silva Bueno, Francisco Alves da Cunha, Joaquim José da Costa e Silva, João Manoel Alfaia Rodrigues, Tristão Cardozo de Menezes Souza, João Baptista de Souza e Manoel Luis Ferreira continuavam a ouvir o Irmão Gavião Peixoto.

“Meus Irmãos, dito o objeto da reunião, convido-vos para que, conjuntamente comigo, decidam da utilidade, em primeiro lugar, que produziria ao país a criação de uma Loja no Vale de Santos, o que ponho em discussão.”

Podia-se notar no semblante de cada um daqueles homens ali presentes, que a decisão seria favorável à criação da Loja. Mas, mesmo assim, o Irmão Martim Francisco pediu a palavra e a utilizou para demonstrar, com vigorosos e irrecusáveis argumentos, a utilidade que resultaria a este Vale, a criação de uma sociedade da natureza de que hora se ocupavam. Não contente ainda, fez sentir àquela assembléia, que os meios seriam abundantes para fazer perdurar uma sociedade tão útil ao país e à humanidade e que haveria recursos para a sua consolidação.

Colocada em votação a fundação de uma Loja Maçônica, foi ela aprovada por unanimidade e escolhido o título de “Loja Fraternidade”, sugestão feita pelo Irmão Martim Francisco. Foi também eleita a Administração Interina, assim composta: Venerável Mestre, João Antonio de Sá; 1º Vigilante, Martim Francisco Ribeiro de Andrada; 2º Vigilante, Francisco Alves da Cunha; Orador, Bernardo Avelino Gavião Peixoto; Secretário, Manoel Luis Ferreira e Tesoureiro, Joaquim de Jesus Pereira.

O tempo passou e Santos mudou; seu porto tornou-se o maior da América Latina, a cidade foi saneada, cresceu em todas as direções e experimenta um novo surto de desenvolvimento com a abertura da pista descendente da Via Imigrantes.

Para a Loja Fraternidade, muita coisa também mudou. Mudou o endereço, mudou a Obediência Maçônica, mudaram os homens. Fundada no Grande Oriente Brasileiro (mais conhecido com Grande Oriente de Caxias), passou para o Grande Oriente do Brasil e depois para o Grande Oriente Paulista, onde permaneceu por 23 anos, retornando no dia 27 de setembro de 2004, saudosa, ao Grande Oriente do Brasil.

Só não mudou a sua luta sem tréguas em favor dos menos afortunados na vida. Desde aquele 5 de janeiro de 1853, quando o Irmão Gavião Peixoto anunciou que a tarefa da Loja Fraternidade seria tomar aos ombros a grande como difícil empresa de esmolar ao pobre, que a nossa Loja é devotada a essa causa.

Já nos primórdios da Loja, nossos antepassados davam exemplos de solidariedade, de abnegação à defesa dos humildes e desprotegidos da sorte, sobretudo os escravizados. Nossos Irmãos cotizavam-se para a compra de escravos, concedendo-lhes, logo após, a alforria. A comprovação desse fato está na ata da reunião de 29 de novembro de 1873, onde encontramos: “... Correu o Tronco de Beneficência que produziu cento e sete mil, quatrocentos e vinte réis, destinados para a liberdade da pardinha Domingas, conforme foi resolvido e como é de estilo nestes atos.”... E como esse, muitos outros casos aconteceram.

Desde a sua fundação, a Loja Fraternidade nunca interrompeu os seus trabalhos. Mesmo durante o estado de guerra decretado pelo presidente Getúlio Vargas, quando as reuniões maçônicas foram proibidas em todo o Brasil, a Fraternidade não se abateu. Seus livros e documentos foram confiscados, seus prédios lacrados (de outubro de 37 a dezembro de 39), mas a luta por uma sociedade mais justa não foi abalada. As reuniões continuaram a ser realizadas, embora na clandestinidade, nas residências de Irmãos da Loja, principalmente na de Mario Duarte Silva.

Tomar aos ombros a grande como difícil empresa de esmolar ao pobre teve como resultado: o Educandário Anália Franco, que educa e forma hoje 370 crianças, e a Casa do Sol, que tem condições de atender até 160 moradores, possibilitando uma vida mais feliz, mais digna, àqueles que já viveram a maior parte de suas existências. São duas entidades consideradas como modelos de boa administração e de atendimento humano aos menos afortunados na vida, desamparados pela sociedade e governos.

A Loja Fraternidade já teve ainda aos ombros, entre outras, entidades como o Pavilhão para Tuberculosos, próximo à cidade de Tatuí, e o Grupo Escolar Fraternidade, que existiram enquanto necessárias à sociedade.

A tarefa de esmolar ao pobre foi e está sendo cumprida, porque a constância no empenho assegura a vitória e quando a tenacidade se mantém ilesa no comando da vida, os dissabores são momentâneos, transitórios como as trevas diante da luz. Acreditando nisso, a Loja Fraternidade já chegou a vender seus imóveis, Templos inclusive, para socorrer as entidades assistenciais criadas e mantidas por ela. O trabalho foi e continua sendo árduo. É uma luta que exige devotamento, esforços e sacrifícios e, acima de tudo, perseverança e desinteresse pessoal. Como disse o filósofo grego Horácio: “A vida não é um cenário para repouso, mas para uma ação enérgica”

Outras obras virão, como o Instituto Educacional Fraternidade, que dele se poderá tirar como o melhor fruto, nos parece, incutir no espírito dos jovens estudantes o amor pela Liberdade, pela Igualdade e pela Fraternidade.

Os triunfos sagram-se no trabalho e no sacrifício e são conseqüências da verdade, da coragem, da sabedoria... Lutar é sinônimo de vida e durante toda a existência da Loja Fraternidade, lutamos. Lutamos e aprendemos, inclusive com os cangurus, apesar de estarem tão longe de nós. Uma das características mais interessantes desse animal é que ele só pode saltar para frente. Quando ele quer voltar, tem que ir para frente e fazer a volta. Sua conformação biológica não permite que ele ande ou salte para trás. Mesmo quando um canguru olha para trás, ele salta para frente.

Hoje, como rotineiramente fazemos, damos uma olhada para trás, mas o nosso rumo é o futuro. Mais doce do que a conquista é a esperança. E isso não nos falta, porque imbuídos desse amor que norteia todas as ações e atitudes do Maçom, só podemos olhar para um futuro promissor, convictos que continuaremos a combater a ignorância, os preconceitos e os erros, ajudando a edificar uma Pátria mais humana, progressista e feliz. Tomar aos ombros a grande como difícil tarefa de esmolar ao pobre... Nós o fizemos e, com toda a certeza, sempre o faremos.